3.2.09

AUTO-RETRATO

(Texto para ser lido na cadência de Adriana Calcanhotto)

Eu sou mineiro, de Belo Horizonte. Moro numa enorme casa pintada de amarelo. Sou poeta. Gasto pequenas fortunas com livros de arte e poesia. Adoro a palavra “palavra”. Tenho um desenho de Miró tatuado no braço esquerdo. Amo Klimt. Adoro óculos. Uso bolsas grandes. Tenho uma Olivette Lettera 82’. Nasci numa família de enfermeiros, administradores, economistas e professores. Sou compositor. Já cantei em coral. Já fiz aulas de canto. Já quis muito ter um piano. Não sei tocar violão. Adoro Bossa Nova. Já compus mais de 50 canções. Adoro Chill-out. Sou aquariano. Não acredito em influências astrológicas. Não sou supersticioso. Creio em Deus, mas tenho um lado espiritual independente de religiões. Gosto de incensos. Adoro artigos orientais. Minha mãe diz que eu sou muito zen. Meu sonho de consumo é um pequeno apartamento na beira da praia de Santos. Sou praticante da meditação e dos princípios do Bhagavad-Gita. Gosto de gente, mas tenho um caso de amor com a solidão. Adoro a palavra “hemisfério”. Tento levar uma vida ascética. Gosto das coisas simples. Amo cores. Sinto incontida veemente apaixonada admiração pela Adriana Calcanhotto. Sou fascinado por champagne. Tenho loucura por livros. Eu canto muito bem. Não sei cozinhar. Adoro lavar louça. Já cultivei bonsais e peixes. Já os deixei morrer. Já os cultivei de novo. Nunca quis ter gatos. Adoro cães. Sou bastante organizado. Tenho fobia a lagartixas. Não sou pessimista. Sou lento em meus processos. Sou disciplinado. Leio bastante. Tenho obsessão por janelas – abertas de preferência. Sempre, ou quase sempre, acordo de mau humor. Detesto falar muito pela manhã. Tenho dificuldade para acordar cedo. Adoro privacidade. Falo sozinho. Adoro silêncio. Tenho senso de humor. Sou irônico. Adoro a palavra “poesia”. Já fiz muitas viagens e ainda quero fazer mais algumas. Quero conhecer a Europa. Falo inglês e espanhol razoavelmente. Tenho paixão por francês. Sou viciado em cookies. Adoro pasteizinhos de Belém com milk-shake de coco. Não gosto de carne – com exceção dos peixes. Bebo socialmente. Tenho uma pequeníssima coleção de discos de vinil. Adoro jazz. Pessoas incultas me esnobam. Faço análise. Já fui hipocondríaco. Tenho escoliose. Sofro de terríveis dores na região lombar. Tenho pernas tortas. Adoro bottons. Sou dândi. Consulto moda. Adoro McQueen. Meus amigos dizem que eu sou muito elegante. Tenho poucos, porém bons amigos. Sou bastante seletivo. Me apaixono fácil. Alimentei um amor platônico por cinco anos. Adoro meus olhos. Já disseram que meu olhar é agressivo. Tenho mania de coçar a orelha. Às vezes me sinto a Macabea, às vezes sou uma Penélope distraída. Adoro conhecer pessoas, mas preservo uma certa distância dos arrogantes, imaturos, prepotentes e espalhafatosos. Detesto pessoas efusivas. Não sou de dar conselhos. Quando estou em casa, adoro chuva. Quando não estou em casa, detesto chuva. Sou impaciente. Conto até dez antes de explodir. Às vezes mando tudo pelos ares. Adoro Antonin Artaud. Não sei falar sobre política. Detesto futebol. Eu não sou fã dos Beatles. O primeiro livro que eu li foi “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Não gosto de Monteiro Lobato. Adoro livrarias, bibliotecas, cafés, pubs e bistrôs. Compro roupas em brechó. Tenho uma queda por pessoas estranhas. Estou sempre disposto a ajudar, mas não tolero acomodação. Sou flexível e às vezes me adapto fácil. Detesto rótulos. Tenho sido muito feliz no amor. Sou romântico. Adoro orquídeas. Sei andar de bicicleta. Presto muita atenção nos pequenos detalhes. Detesto rotina. Adoro João Gilberto. Odeio azeitonas. Adoro Rosa Passos. Não vivo sem poesia. Todos os dias, pela manhã, leio um poema de Drummond. Adoro fazer recitais-performances. Tenho forte inclinação pelos poetas. Adoro Vera Casa Nova. Adoro Marcelo Dolabela. Adoro Adriana Versiani dos Anjos. Adoro Ana Cristina César. Adoro Waly Salomão. Adoro Camilo Lara. Adoro Eucanaã Ferraz. Adoro Arnaldo Antunes. Adoro Deivid Junio. Adoro Cid Campos. Adoro Carlos Nejar. Adoro Caio Fernando Abreu. Adoro Clarice Lispector. Amo Hilda Hilst. Às vezes passo horas repetindo a mesma palavra. Queria entender mais sobre psicanálise. Odeio ficar gripado. Gosto de azul e de todos os seus tons. Meus amigos dizem que eu sou muito zen. Tenho obsessão por leveza. Adoro pessoas divertidas. Não levo o menor jeito pra dirigir. Não tenho medo de avião. Ainda quero conhecer a África. Adoro o português – principalmente o de Portugal. Dou palestras e faço pesquisas sobre poéticas contemporâneas. Quero ser professor. Não suporto gente metida. Amo BH radicalmente. Adoro Björk. Adoro Cibelle. Adoro Bebel Gilberto. Adoro Elza Soares. Adoro Jorge Ben Jor. Adoraria poder cantar com a Nana Caymmi. Já sonhei que estava recitando versos pra Maria Bethânia. Já vendi uma linha telefônica pra ela, inclusive. Não gosto de comida japonesa. Tenho loucura pelo mar. Adoro manhãs de céu parcialmente nublado. Tenho profunda curiosidade pelo comportamento dos seres humanos. Adoro a palavra “corpo”. Gosto de dar entrevistas. Tenho medo de não saber o que dizer. Estou sempre empenhado no processo de expansão da consciência de mim mesmo e dos outros. Gosto de seres evoluídos. Meu lema é “se desprender”. Adoro o “faça você mesmo”. Sou vaidoso. Já fui um cão chupando manga e, ao mesmo, tempo um osso duro de roer. Quando criança, eu era da “pá virada”. Quero ter filhos. Minha família diz que agora eu sou muito zen. Não gosto de filmes de terror. Adoro teatro. Quero me casar com um bailarino, com um ator, com um poeta voador. Aprecio gestos sinceros. Sei retribuir afetos. Ás vezes falo em monossílabos. Adoro dicionários. Adoro a palavra “paisagem”. Vivo leve e amo solto. Adoro pão-de-queijo. Tenho mania de brincar com os dedos. Adoro Hélio Oiticica. Quero muito ter um Parangolé Pamplona. Ouço bem mais do que falo. Penso demais nas palavras. Me reinvento o tempo todo. Recrio relacionamentos significativos em minha vida. Adoro filmes e músicas indie. Sou observador. Adoro cantar. Quero compor canções leves e simples. Eu quero um samba feito só pra mim. Persigo um certo grau de ambigüidade. Acredito que a verdadeira impressão é a que sempre fica. Sei o que sou, o que desejo da vida e o que é essencial. Dizem que eu sou muito zen. Adoro a palavra “ponto” e nunca sei se vou chorar no final.


Belo Horizonte
. 01/02/2006.